segunda-feira, 29 de julho de 2013

Gurizito Campeiro

Gurizito Campeiro

            Este poema eu dedico ao meu neto Vitor.

Um taura já nasce taura!
No seu primeiro choro,
alguém gritou: - este é taura,
ele será meu herdeiro,
meu amigo, meu parceiro
de todas as camperiadas.
Vai domar potros, carretear
e laçar bois nas invernadas.

Pequenino já laçava as galinhas,
pisoteando nos pintos,
mas não era por malvadeza,
era apenas por instinto
de quem nasce pra ser galo.
Seu primeiro brinquedo
foi um pedaço de taquara
que chamava de cavalo.

Fez um laço trança de embira,
usando talento e criatividade,
laçava só por brincadeira
porque não tinha um de verdade.
Guri campeiro, nunca ganhou presente.
Os brinquedos, todos improvisados:
mangueirinha, ponta de chifre
e ossinhos descarnados.

Em noites de geadas frias,
o piazito sentava para se aquentar,
no galpão, ao redor do braseiro,
escutando os mais velhos prosear.
Ficava por ali até altas horas,
ouvindo com calma e paciência
as lorotas e causos dos campeiros
pra lhe servir como experiência.

Para ser um índio taura
tem que entender da lida,
saber o lado de montar
e as normas a ser seguidas.
Gritar na mangueira: “forma cavalo”
e saber como se ata um bocal,
puxar e quebrar o queixo
e amadrinhar um bagual.

Saltava da velha cama
quando o canto do galo amiudava.
Um vento minuano que chorava,
mas nunca pediu arrego.
Índio que dorme em pelego
não se entrega nem faz manha,
nasceu com parteira de campanha
este galo que calça espora.
Soltava um gritito de sapucaí
pra escutar o eco sob a aurora.

Buscar a brasina leiteira
que pastava lá no banhado,
de pé no chão, calça curta,
com os dedos encarangados.
Com seu andejar solitário
apenas um cusco de parceiro,
que levantava quero-queros e lebres
sempre num galope faceiro.

No desempenho da lida,
no trato para a criação,
dar bóia para um guaxo
que dormia lá no galpão.
E o mouro na cocheira,
pingo que troteava marchando,
cavalo de todo o serviço,
de laçar e deixar cinchando.

Curar terneiro de vaca braba
o taura sempre foi um perito,
puxando por baixo do arame
serviço, que fazia solito.
Com berros e chifradas
tiniam as tramas do aramado,
que fazia dividia dos campos
com cinco lisos e um farpado.

Arrastava uma pipa d’água
e cortava lenha de machado,
com mãos franzinas e calejadas
dos cabos de um arado.
Em gauderiadas pela fronteira
já dormiu ao relento de uma tapera,
ouvindo o berro de um touro pampa
numa noite de primavera.

Sobreviveu a coices e manotaços
de malinos mal domados,
e muitas rodadas feias
nos macegais do banhado.
Acreditava em assombração
também em lobisomem,
e tinha um grande sonho:
era crescer para ficar homem.

Lá atrás do arvoredo,
no céu aparecia meia lua,
o sol à tardinha se punha,
vermelhando uma coxilha nua.
E o piá admirava a natureza
com um olhar triste e acabrunhado,
sentindo saudade do nada,
pois ele ainda não tinha passado.

Pelos corredores da vida,
todos campeiam o destino,
marcas de queimaduras de laço
na vida de um campesino.
Que sempre procura a volta
para nunca montar mal
e sabe o momento de sair
da rodada de um bagual.

Desgarrou-se do pago,
deixou para trás o rancho,
arreio, preparo de doma
e tirador pendurado num gancho.
Trocou tudo que tinha,
até a sua própria liberdade,
por um tal de quitinete
lá no centro da cidade.



Fernando Almeida Poeta