terça-feira, 24 de setembro de 2013

MULHER DE UM FARROUPILHA


Num bolicho beira de estrada,
Nasceu um romance campeiro
Entre uma das filhas do agregado
E um rapazote meio forasteiro.
Era linda que nem flor do campo
E o muchacho logo se apaixonou,
Pediu a mão da bonita china 
E no ano seguinte se casou.

Ficaram ali pela estância,
Ele fazendo o serviço de campo,
Numa vida pacata de campanha,
No romantismo dos pirilampos.
A china sevava um mate,
Daqueles de adoçar a alma,
Fazendo planos para o futuro
Numa noite linda e calma.

Rancho com sombra boa
E muitas flores no jardim.
Tiveram dois lindos filhos
Numa felicidade sem fim.
E, de repente, uma má notícia
Que lhes cortou o coração:
Foi convocado para a guerra,
Ordenado pelo seu patrão.

Encilhou o cavalo que tinha
E saiu por conta do destino
Para ser mais um farrapo,
Um guerreiro taura e malino.
Para servir aos senhores da guerra,
Empunhando armas nas mãos,
Invadindo campos alheios
E roubando sem ser ladrão.

De peão campeiro de estância
Para desbravador de coxilhas,
Deixando rancho e china para traz
Para ser um caudilho farroupilha.
Atento à voz de um clarim,
No comando para avançar,
Num salve-se quem puder
E a ordem era para matar.

Na república rio-grandense,
Estância grande dos pampas,
Onde nasceram nossos campeiros
De tenência, fibra e estampa:
Bento Gonçalves, Davi Canabarro,
General Neto e outros caudilhos.
Grito de guerra, grito de paz,
Sempre em cima do lombilho.

Pelas auroras da vida,
Clareando a noite escura,
À frente de uma batalha
Com faíscas de ferraduras.
Quando a tropa se espalha,
Se perdendo pelo horizonte,
O guerreiro não tem medalha,
Apenas segue ao reponte.

O sonho de um dia ser livre
Nossa esperança se embala,
Acenando para o passado
Com os flécos do velho pala.
Ser livre que nem um potro
Que galopa em campo aberto,
Sem porteiras e sem aramados
Na vastidão de um deserto.

Um guerreiro não tem rumo certo,
Mas nunca se perde na fumaça
Quando carrega de parceiros
Muita coragem, sangue e raça.
E o tempo foi passando, passando,
E nem um chasque apareceu,
Pra falar se ainda estava vivo
Ou até mesmo se morreu.

Com a esperança quase vazia,
Num rancho de capim barreado,
Com um filho ainda pequeno
E outro piazito quase criado.
Sendo mulher de um farroupilha
Que destino triste e maleva,
Num caminho quase sem luz,
Sonhando com abismo e trevas.

E a china que ficou no rancho,
Numa rotina de dia após dia,
Escutava vozes na madrugada
Que o assovio do vento trazia.
Murmuro de patas de cavalos,
Gritos, gemidos e tinidos de adaga,
Era apenas o pressentimento
De mais uma noite amarga.

À tardinha olhava para o horizonte,
Mas não via ninguém voltando!
Sem saber se um dia retornará
Seguia apenas sonhando,
Em ter seu amor ao lado
Quando esta guerra acabar,
Talvez na próxima primavera
Seu filho o possa abraçar.

E o piazito sempre perguntava
-Mamãe, quando papai voltará?
Porque ele foi para a guerra?
Já estou cansado de tanto esperar!
-Ele está lutando por nós, pela terra,
Embora não tenhamos nada!
Somos vítimas de latifúndios,
Descendentes de família deserdada.

A esperança aos poucos foi mermando
De uma mãe e esposa aflita.
Quantas famílias no mundo sofrem
Com as tais guerras malditas.
E o farroupilha nunca mais voltou,
Entrou na peleia sem nada entender,
Matou muitos sem ser bandido
E depois morreu sem merecer.


Fernando Almeida Poeta

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